Pregão da SAD sob suspeita de favorecimento
José Roberto Amador(TurmadoEpa)
Dizem que a pessoa traída é sempre a última que sabe. A omissão acontece por receio de “meter a colher” em assunto delicado ou até por considerar que a pessoa não queira realmente tomar conhecimento da realidade.
O nariz de cera acima ilustra uma situação inusitada que está rolando nos bastidores do Palácio Paiaguás. E o nome do governador Silval Barbosa pode estar sendo indevidamente utilizado como escudo para “carteiradas” aplicadas na realização de negócios obscuros.
Está na pauta da Secretaria Estadual de Administração a realização de um pregão presencial para aquisição de equipamentos de segurança em informática (Firewall) por meio de ata de registro de preços. O edital que rege o certame é o de número 066/2011, publicado no Diário Oficial do dia 14 deste mês. O pregão está previsto para esta quinta (27), a partir das 8h30. *
O negócio gira em torno dos R$ 30 milhões, pois a ata de registro de preços vai servir para atender a demanda de todo o governo. O mercado se assanha sempre que aparece uma oportunidade dessa monta. Nos bastidores, quem entende do riscado, diz que houve direcionamento do edital para beneficiar um único fabricante e/ou quem o representa.
Não é incomum tal tipo de ocorrência nas relações de negócio entre os setores público e privado. A área de informática, devido às suas peculiaridades, tem sido um terreno tão fértil nessa seara quanto o setor de engenharia de obras. O controle é exercido pelo próprio mercado, pois os concorrentes gritam quando percebem o direcionamento para um único fornecedor.
O caso do edital 066/2011 assustou o mercado, pois num negócio dessa magnitude o procedimento padrão é dividir o bolo entre os principais agentes do segmento. Dessa forma o governo atende seu interesse e garante a manutenção do equilíbrio entre os concorrentes, evitando guindar uma única empresa em condição superior que as demais atuantes na praça. Assim é o jogo. Todo mundo ganha e ninguém reclama.
Mas, por que então a condução do negócio estaria dirigida a um único fornecedor? Foi o que este repórter indagou de alguns empresários da área. Mais de um afirmou ter ouvido dos agentes públicos envolvidos que agiam assim por recomendação do andar de cima (uma menção ao gabinete do governador). Como não é todo mundo que tem acesso direto ao governador, fica pairando a dúvida e ninguém se arrisca a abrir o bico pra contrariar o mandatário.
Essa compra de “firewall” para todo o governo é suscitada desde 2009. Editais chegaram a ser colocados na praça à época, mas acabaram suspensos por conveniência administrativa. Alguns operadores disseram acreditar que, em função do claro direcionamento, o edital atual também teria o mesmo destino. Como estamos na véspera da data do pregão e a sua abertura está mantida até o momento, vale o registro pra conferir o resultado na quinta-feira (27).
O repórter conversou ainda com alguns membros da administração considerados próximos do governador. Percebeu neles estranheza quando mencionada a “carteirada” em seu nome. Ouviu também de mais de um a afirmação taxativa que se alguém no andar de baixo tem usado o nome de Silval Barbosa, o fez indevidamente e sem autorização.
Sendo assim, segue o relato do que foi apurado junto a especialistas na área que atuam no mercado e a posição oficial manifestada pela Secretaria de Administração sobre o edital. E, como contribuição, fica o alerta ao governador para manter a rédea curta sobre os auxiliares que conduzem negócios de grande porte na administração pública.
O edital lista aproximadamente 1,2 mil itens de equipamentos de segurança em tecnologia de informação que o governo pretende adquirir. O Termo de Referência inclui exigências tais que apenas um fabricante (Fortinet) atende a todos os itens. Não foi requisitada vistoria técnica (isso é como vender móveis sem saber o tamanho dos cômodos). Não há previsão de homologação dos equipamentos (comumente são entregues unidades de cada modelo para avaliação e aceite dos produtos pelos técnicos do governo).
O Termo de Referência do edital 066/11 foi alterado na própria SAD a partir de outra TR desenvolvida pelo Cepromat (Centro de Processamento de Dados do Estado de Mato Grosso), sem novo aval do órgão responsável pela condução da política de tecnologia de informação do governo. Foi vedada a montagem de consórcios para participar do certame. O repórter tomou conhecimento que alguns técnicos da própria SAD e, inclusive, a assessoria jurídica, detectaram as “pegadinhas” no texto do edital e foram contrários à sua publicação nos moldes em que se encontra, mas o próprio secretário da pasta e alguns poucos assessores optaram por “peitar” o processo e levá-lo a cabo a despeito dos supostos vícios.
A SAD retruca as afirmações anteriores garantindo que na elaboração da TR foram consultados todos os fornecedores desse tipo de solução e que eles tiveram prévio conhecimento das especificações técnicas. Diz que a TR passou pelo crivo do Cosint (Conselho Superior do Sistema Estadual de Informação e Tecnologia da Informação) e da Auditoria Geral do Estado. Informa que o Sistema de Aquisições Governamentais (SIAG) detectou que 60 empresas realizaram o download do edital e que apenas três protocolaram questionamento acerca das especificações técnicas. Afirma ainda que a Assessoria de TI entende que vários outros fornecedores, além da Fortinet, tem plenas condições de atender o edital e listou a Checkpoint, Sonicwall, Juniper, Cyberoam e Ipolicy.
Não é bem assim. O edital exige o certificado norte-americano ICSA Labs Certified Products, que apenas o fabricante Fortinet dispõe em todos os itens. Ao exigir certificação norte-americana, a administração estadual anda na contramão das normas e da política que o governo federal recomenda para o setor, que é o fortalecimento das empresas nacionais de software e/ou incentivo para que as estrangeiras se instalem no país. Nenhum dos fornecedores que a SAD disse ter condições de concorrer no certame é brasileiro. Mesmo entre os citados, exceto a Fortinet, nenhum detém certificação do ICSA Labs para todos os itens listados.
Vale dizer que o ICSA Labs não é lá nenhuma oitava maravilha do universo, apenas um mecanismo que o governo americano adota para proteger a sua indústria. Basta se instalar no território, cumprir critérios mínimos e desembolsar determinado valor para obtê-lo. O governo brasileiro também se movimenta para proteger suas empresas e deve lançar um certificado nacional, mas a SAD faz ouvidos moucos para esse esforço e não só privilegia produtos estrangeiros como direciona a compra exclusivamente para um fornecedor.
Resta aguardar para saber se o governo mantém o pregão até o final ou se algum recurso judicial obtém decisão mandando anular o certame. Esperamos, sinceramente, que o resultado não se pareça com a desastrada aquisição dos veículos Land Rover, que colocou o governo numa verdadeira saia justa e agora tem que explicar como apareceu uma mancha de batom na cueca. Todavia, é bom o governador ficar esperto para não levar by pass de assessores espertos e nem para que utilizem seu nome indevidamente.
* NR: Após a publicação da matéria original, a SAD retificou a data de abertura do pregão para o dia 11 de Novembro de 2011
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